domingo, 1 de fevereiro de 2009

As regras da insensatez

O teu olhar tem qualquer coisa de miúdo, como se tivesses escolhido nunca crescer por completo, apesar da entrada para a faculdade, dos quase vinte e tal anos, do viver sem ser em casa do pai ou da mãe, de uma vida que te querem impor com regras e diplomacias e que tu recusas como quem deixa um gelado a meio, porque não te apetece.
Gostei logo do teu ar de índio que sabe negociar a paz com paciência e alguma manha, sentado numa cadeira a espiar-me pelo canto do olho, sem saberes muito bem como chegar até mim e eu ali mesmo ao lado, a pensar o mesmo, por mero acaso, no mesmo espaço e ao mesmo tempo.
Não sei há quanto tempo foi, o tempo nunca conta quando se começa uma viagem, não conta o sono porque sobra sempre pouco tempo para dormir, a hora do almoço é empurrada para as quatro e o jantar nunca é antes das dez. É como dois refugiados que se encontram no caminho e decidem o partilhar do mesmo destino.
Agora olho para trás e percebo que andavas por aí, mas como és discreto e sossegado nunca te consegui ver, mesmo quando me vias por todo o lado. Não sei como não desisti… Já passei por demasiado! Mas a verdade é que nunca deixei de sonhar, nunca deixei de acreditar que a vida me podia dar o que quero e mereço e se calhar é por isso que as pessoas confiam em mim quando lhes dou os meus conselhos em folhas cheias de histórias\estórias.
Às vezes apetece-me dizer-te que não quero voltar ao caminho dos refugiados, que não me apetece desistir, deixar de acreditar, voltar atrás e ter de esquecer o que foi importante, de acordar e fingir que está tudo bem, que é só mais um dia para à noite cair na cama ao lado de ninguém, onde ninguém me vê e eu não vejo ninguém.
A vida ensinou-me poucas coisas e, com o passar dos anos, só aprendi que tudo se desaprende e tudo muda e, por isso, confio mais em mim do que nos outros e sei que o apego é como uma droga leve, que vai tomando conta de nós todos os dias mais um bocadinho. Mas agora já é tarde, agora já foram vezes a mais. Agora, mesmo que eu quisesse, já não posso voltar atrás.
No entanto, o mais provável é que eu volte a ser uma refugiada sem refúgio, a andar sem destino por esses desertos infinitos. Não sei nada. Já não sei nada. Sei que o regressar à estrada é sempre muito mais duro quando se estava a meio da viagem, como eu e como tu.

Adaptado de um texto de Margarida Rebelo Pinto.


1 comentário:

. disse...

O duro é ser consciente e racional, caso contrário o fluir seria o ideal numa mente livre.

Estás num bom caminho, Joaninha*