sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Seis e seis

Tu olhas para uma pessoa, uma pessoa que sabes não ser uma pessoa qualquer porque o teu olhar se fixa nela, e quando ela olha para ti e sente o mesmo que tu, sentes que alguma coisa vai acontecer. Não sabes nada ainda, mas intuis, intuis com os teus sentidos, com o teu corpo e, às vezes, com o teu coração, que aquela pessoa pode ter qualquer coisa para te dar, que não sabes o que é, mas que um dia vais descobrir e que esse dia pode ser nesse momento. É então que tiras os dados do bolso e os lanças para cima da mesa.
Quando te interessas por alguém, nunca sabes no que vai dar. Lançamos os dados como quem os deixa cair quase por acaso, e muitas vezes nem queremos saber quanto deram: um e um, dois e quatro, cinco e dois, é sempre um mistério, porque a sorte também manda na vida, manda mais do que queríamos e menos do que gostávamos. Desconfiamos dela quando nos é favorável, embora aceitemos as suas traições como se representassem a ordem natural das coisas, por mais absurdas que sejam.
Os dados caíram. Quando levantaste o copo, eu vi no chão seis e seis. Vi-te apanhar os dados e a rir. Ouvi a tua voz e, quando começámos a conversar, percebi que os dados estavam certos.
Gostamos de tudo um no outro; eu gosto da tua casa, da tua música, da tua forma desligada de olhar para o mundo, tardes inteiras a repetir em stereo os melhores sketches dos Gato Fedorento, os passeios à beira-mar de camisola de lã com capuz, os polaroids com legendas e a forma como te divertes com tudo o que te rodeia. E tu gostas da minha alegria de viver, do meu sarcasmo cirúrgico, de dizer sempre tudo o que penso, sinto e quero, mesmo quando não estás preparado para me ouvir. Da minha forma de rir de tudo o que dizes e de eu ser quase uma detective de pormenores.
Gosto de te conhecer e de te começar a perceber. És diferente dos outros e gostas que eu te entenda melhor do que todas as outras. E gostamos de estar um com o outro; à mesa, em casa, com amigos, sem amigos, com sono, sem sono.
(...) não há pesos nem amarras, e o silêncio não quer dizer ausência, apesar da ausência reinar nos nossos dias.
Quando lançamos os dados, nunca sabemos no que vai dar. Tu podias ser um assassino encapotado e eu uma neurótica disfarçada. Tivemos sorte. Somos duas pessoas normais.
Só tenho pena de não ser dona do tempo. Houve momentos em que, se pudesse, teria vivido mais vezes ou mais devagar, como quem saboreia um chá de menta, ao fim da tarde, no largo da igreja a ouvir os sinos. E como escrever é a melhor forma de falar sem ser interrompido, digo-te agora e sem rodeios: fica comigo mais uma vez, vem rir do mundo e adormecer nos meus braços, sonhar acordado, vem ter comigo hoje, porque quero lançar outra vez os dados. E aposto que vai dar seis e seis outra vez: os dados nunca se enganam quando não estmos a jogar.


A pena da Margarida é não ser dona do tempo.
A minha é que os dados não tenham 7 faces.
Sete e sete, daria um somatório muito mais interessante.

(Demasiadamente declarada, sim!)
(Já estava nos rascunhos há algum tempo. Resolveu sair hoje. Hoje.)

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